Redução do uso da marca a fogo
em bovinos

Bovinos, assim como outros animais utilizados na pecuária, são animais sencientes, ou seja, capazes de experimentar estados mentais positivos e negativos. É incontestável que a marcação a fogo é dolorosa para os bovinos, como demonstrado nos estudos de Lay e colaboradores (1992), os quais encontraram evidências concretas de estresse em vacas e bezerros durante e após a marcação a fogo, além de fortes evidências de sensação de dor. Schwartzkopf-Genswein e colaboradores (1997) reportaram que a resposta à inflamação no local da marca a fogo (i.e., aumento de temperatura no local da marca) persiste por até sete dias. É agravante o fato de que a dor não é só momentânea. Segundo Tucker e colaboradores (2014) a dor produzida pela marca a fogo pode durar até 8 semanas, quando também ocorre a cicatrização da queimadura. A experiência dolorosa é agravada quando a marca a fogo não é aplicada de modo correto, o que é fato frequente, resultando em feridas abertas, que aumentam o risco de infecções e infestações por parasitas.

Além da dor, há resultados de pesquisa mostrando que a marca a fogo deixa os bovinos mais reativos, tornando os manejos subsequentes mais difíceis de serem realizados (Schwartzkopf-Genswein e colaboradores, 1998). Adicionalmente, é preciso destacar que um animal com dor tende a reduzir suas atividades, inclusive alimentação, o que pode comprometer seu desempenho durante o período da cicatrização da marca a fogo.

Com base nesse e em outros resultados de pesquisa, a Associação Americana de Medicina Veterinária (AVMA, 2011) manifestou a opinião de que a marca a fogo causa dor e estresse nos animais. Além disso, não há medidas paliativas viáveis para minimizar o sofrimento dos bovinos durante a aplicação das marcas a fogo, uma vez que o uso combinado de anestésico e analgésicos não produzem o efeito esperado (Hernandez e colaboradores, 2022).

No Brasil, a partir de esforços da empresa BE.Animal, Grupo ETCO e Agropecuária Orvalho das Flores, além do apoio de algumas empresas do ramo pecuário, tem sido desenvolvido o projeto intitulado “Redução da Marca a Fogo” desde 2021, cujo objetivo é sensibilizar as pessoas do campo quanto a esse assunto, como também capacitá-las a implementar alternativas menos dolorosas para identificação animal. O projeto foi inicialmente implementado em quatro fazendas, as quais, após um ano de trabalho, conseguiram reduzir a aplicação de aproximadamente 70.000 marcas a fogo. Temos certeza de que esse número é muito maior se contabilizarmos fazendas que sensibilizamos, mas não participaram diretamente do projeto. Como resultado deste projeto também foram produzidos Guia de Boas Práticas para a Redução da Marca a Fogo e quatro tutoriais orientando sobre como proceder para implementar estratégias alternativas para identificação dos animais, visando reduzir o uso da marca a fogo.

Além da questão do bem-estar animal, há evidências (obtidas na primeira etapa da campanha para redução da marca a fogo) da baixa eficiência do uso da marca a fogo para a identificação individual dos bovinos, com erros na leitura dos números de identificação dos animais variando entre 12 e 18% (de Oliveira e colaboradores, 2024). Vale destacar também que quando a marca a fogo é colocada no grupo, o que é muito frequente em nosso país e desrespeita a Lei 4714, de 29 de junho de 1965 (Brasil, 1965), ela resulta em prejuízos expressivos para a cadeia produtiva da pecuária bovina, sendo uma importante causa de desvalorização do couro brasileiro (Jacinto e colaboradores, 2012).

Considerando que hoje já existem métodos alternativos à marcação a fogo para identificar os animais é preciso que o Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil, considere revogar a obrigatoriedade da marca a fogo para a identificação dos bovinos vacinados contra a brucelose (MAPA, 2017) e a substitua por outra forma de identificação que seja ao mesmo tempo eficaz para o propósito da defesa sanitária, porém menos prejudicial aos animais. Uma alternativa promissora foi aprovada no estado de São Paulo para identificação de fêmeas bovinas vacinadas contra brucelose por meio de bottons personalizados, em substituição da marca a fogo na face dos animais (SAAESP, 2024). Assim, acreditamos que num futuro breve, ocorrerá uma revisão detalhada no Brasil das regras atuais para identificação de bovinos para fins de registro genealógico e controle da brucelose, de forma a evitar marcação a fogo na face dos animais em todos os estados brasileiros. Nos EUA, esta prática foi banida desde 2003 (USDA, 2003).

Vale reforçar que a preocupação com bem-estar animal é crescente em nosso país e no mundo, e que as práticas que causam estresse ou sofrimento aos animais, incluindo a marca a fogo, têm sido objeto de campanhas que criticam a cadeia produtiva da bovinocultura, como no caso da campanha lançada pela PeTA (2016), quando utilizou imagens brasileiras de marcação a fogo para denegrir a imagem da pecuária no mundo.

Enfim, acreditamos na tendência da tomada de atitudes mais progressista na definição de métodos que permitam uma identificação segura e que não cause sofrimento desnecessário aos bovinos, ainda mais quando nosso país vem, ano a ano, se destacando cada vez mais no mercado pecuário, podendo ser alvo de críticas quanto a forma com que tratamos nossos animais.

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