Boas práticas de manejo no
Monitoramento do Bem-Estar Animal

O monitoramento sistemático das condições de bem-estar animal tem sido pouco realizado nas fazendas de bovinos de corte brasileiras. Entretanto, deve-se reconhecer que são realizadas avaliações eventuais sobre alguns indicadores de bem-estar animal, como, por exemplo, da condição corporal e de alguns indicadores de saúde dos bovinos (p.ex., infestação por carrapatos, moscas, bicheiras e laminite). Isto porque os domínios da nutrição e da saúde são os mais trabalhados por muitas empresas do setor pecuário, bem como estão presentes no discurso de muitos técnicos de campo, partindo do princípio de que se os animais estão com bom escore de condição corporal e não apresentam sinais visíveis de doenças, seu grau de bem-estar é bom. De fato, esses são indicadores importantes, mas não refletem o status de bem-estar de um determinado animal. Assim sendo, o monitoramento da qualidade da interação humano-animal, da mitigação dos processos aversivos e dolorosos no manejo, da visão sistêmica dos recursos ambientais, bem como a avaliação dos comportamentos naturais da espécie e como tudo isso se relaciona com o estado mental do animal ainda é deficiente.

O objetivo da adoção de um sistema de monitoramento do bem-estar animal é oferecer condições de identificar as situações de risco e corrigi-las rapidamente. Vale lembrar que, em qualquer situação negativa em um dos Domínios de Bem-estar Animal, há um aumento da probabilidade de redução do desempenho.

Um pouco da história e do estado da arte do monitoramento do bem-estar animal

No cenário de monitoramento do bem-estar animal, a pesquisadora e professora Temple Grandin oferece contribuições significativas e, em seus trabalhos, pode-se destacar quatro pontos fundamentais para entendermos a importância do monitoramento de bem-estar animal, sendo eles:

1. Só se gerencia aquilo que é medido: como serão desenvolvidas ações para reduzir, por exemplo, o número de animais que caem durante o manejo e saem feridos do curral se não é feito o registro dessas ocorrências?

2. Evitar que o ruim se torne normal: se as avaliações não são rotineiras, não há como perceber um problema e, com o tempo, o que está mal se torna normal.

3. A qualidade do manejo se deteriora com o tempo: a capacitação das pessoas tem resultados excelentes logo após o treinamento, mas elas tendem a voltar ao manejo antigo com o passar do tempo, por isso são tão importantes as reciclagens e o monitoramento da interação humano-animal.

4. O poder da comparação: o estado de bem-estar pode ser classificado entre muito ruim a muito bom. A possibilidade de realizar comparações nesse estado ao longo do tempo, bem como com outras fazendas (desde que utilizem o mesmo sistema de avaliação), serve como indicador para saber se estamos no caminho certo.

Paralelamente, vemos um cenário muito avançado de monitoramento de bem-estar animal nas indústrias frigoríficas, com programas de autocontrole bem estabelecidos sobre os indicadores de bem-estar animal e com a definição de pessoas especializadas para realizar essas avaliações. Nesses casos, os programas de autocontrole incluem vários indicadores, dentre eles: o número de animais que escorregam ou caem durante o manejo e o número de animais insensibilizados no primeiro disparo antes da sangria, bem como a checagem dos sinais de insensibilidade também antes do momento da sangria.

Olhando a história de como isso aconteceu, vemos uma forte influência inicial das exigências dos países importadores da carne brasileira, depois pela necessidade do atendimentos dos protocolos de auditorias (nacionais e internacionais), além da legislação que inicialmente, regulamentou o abate humanitário dos animais de produção no Brasil. Hoje, os avanços desse processo estão documentados na Portaria nº365/ 2021 que aprova o Regulamento Técnico de Manejo Pré-abate e Abate Humanitário e os métodos de insensibilização autorizados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária.

Nesse cenário, grande contribuição foi feita por Temple Grandin, ao elaborar o “Recommended Animal Handling Guidelines & Audit Guide: A Systematic Approach to Animal Welfare”, que implementa medidas práticas como método de auditoria de bem-estar animal em plantas frigoríficas. Este sistema de medição é usado pelo McDonald’s Corporation, Wendy’s, Tesco e muitos outros grandes clientes dos frigoríficos brasileiros, além de servir como base para diversos programas de certificação de bem-estar animal e também para a definição de controles internos das plantas frigoríficas. Em vez de um auditor determinar, subjetivamente, se uma planta tem boas ou más práticas, esse material oferece uma pontuação numérica objetiva para a avaliação.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, transformando o conhecimento da ciência em indicadores práticos e fáceis de serem usados para auditoria (e também para autocontrole), vemos iniciativas importantes, como protocolos de auditorias de bem-estar animal com edições focadas em bovinos de corte, como o internacional Welfair (Welfare Quality, 2009) e uma iniciativa brasileira, que atende as nossas condições de criação e manejo, o Confinar BEM.

Recomendações para a implementação de boas práticas no monitoramento de bem-estar animal

1. Defina os indicadores de bem-estar animal que serão avaliados e estabeleça uma rotina para o monitoramento em sua propriedade, levando em consideração o sistema de produção e os manejos que são realizados como rotina na fazenda.

2. Leve em consideração que, em momentos particulares, reconhecidamente estressantes para os animais (como, por exemplo, durante a adaptação ao confinamento, desmama e logo após o desembarque, recém-chegados à fazenda), o monitoramento do bem-estar animal precisa ser mais frequente. Lembre-se, quanto mais cedo for identificado um problema, maior é a chance de sucesso em resolvê-lo.

3. Capacite os vaqueiros para realizarem as avaliações e padronize os indicadores a serem avaliados, estes devem ser simples e rápidos de serem coletados.

4. Além da capacitação, considere que este trabalho deve ser feito por vaqueiros experientes, capazes de identificar elementos do ambiente e sinais apresentados pelos animais que indiquem situações de risco para o bem-estar animal.

 

 

5. Estabeleça um meio para o registro dessas avaliações, podendo ser utilizadas, por exemplo, cadernetas de bolso, planilhas de papel ou sistemas eletrônicos, como aplicativos ou formulários online. Esses registros devem conter, além dos dados, o nome da pessoa que fez a avaliação, bem como a data em que foi realizada.

6. É importante transferir os dados das avaliações para uma planilha de computador ou meio similar que permita fazer comparações, criando uma base de dados que ajudará a identificar os pontos críticos, bem como a tomada de decisão, oferecendo condições de melhorar seus indicadores de bem-estar animal safra após safra.

7. Para definir os indicadores que devem ser avaliados, considere três tipos de medidas: as baseadas nos animais, no ambiente e nos recursos que precisam estar disponíveis.

8. Para o monitoramento do bem-estar animal, considere monitorar, no mínimo:

8.1. Cochos: os cochos devem estar limpos, íntegros, alinhados e em metragem compatível como o tamanho do lote, bem como seu acesso deve ser fácil (livre de buracos, lama ou qualquer outra condição que afete o acesso).

8.2 Bebedouros: os bebedouros devem dispor de água de boa qualidade e em quantidade satisfatória para os animais do lote. O acesso ao bebedouro deve ser fácil (livre de buracos, lama ou qualquer outra condição que afete o acesso), não deve haver vazamentos ou entupimentos e a boia deve estar funcionando adequadamente.

8.3. Cercas: as cercas devem estar sempre íntegras e bem esticadas, reduzindo o risco de fugas e de acidentes com os animais. Redobre a atenção quando usar cercas com fios eletrificados, certifique-se de que eles estão instalados corretamente e que não há risco de contato com a água nos bebedouros.

8.4. Disponibilidade de pasto: os pastos devem ter boa cobertura vegetal, sem presença de plantas invasoras e com boa qualidade nutricional, bem como deve estar ajustado para a taxa de lotação desejada, evitando sub ou superpastejo da área.

8.5. Consumo de suplemento ou dieta do confinamento: deve ser realizado o monitoramento do consumo de alimentos combinado com a observação do comportamento dos animais, por exemplo, pela leitura de cocho, fundamentais para ajustar a quantidade de alimento a ser oferecida aos animais.

8.6. Condição e manutenção das estruturas e equipamentos: as estruturas e os equipamentos, principalmente os utilizados no manejo dos animais, devem estar limpos e bom estado de manutenção; considere as condições do piso, do equipamento de contenção individual, também conhecido como tronco de contenção ou brete, dos equipamentos menores, como as pistolas de vacinação e os alicates de identificação e outros. Considere também as estruturas de sombreamento, caso disponibilize sombra artificial para os animais.

8.7. Qualidade do ar e do piso: os animais devem ser mantidos em ambiente com ar livre de poeira e de gases tóxicos como a amônia, bem como em piso seco e confortável livre de pedras, buracos e outros materiais (como arame, madeira ou plástico), por exemplo.

8.8. Escore de condição corporal: os animais devem ter bom escore de condição corporal, compatível com sua etapa de produção e aqueles que apresentem qualquer comprometimento devem receber atenção especial, seja por meio de uma dieta diferenciada e/ou de tratamento veterinário.

8.9. Condição de saúde: os animais devem dispor de boa saúde e aqueles que apresentem qualquer comprometimento devem receber atenção especial e, sempre que necessário, tratamento veterinário imediato.

8.10. Comportamento natural: os animais devem apresentar comportamento natural típico da espécie, sendo monitorado para qualquer tipo de alteração como, por exemplo, presença de sodomia, grande distância de fuga (não aceitam a aproximação de humanos), pular as cercas frequentemente, agressividade exagerada e não aproximação do cocho, por exemplo.

8.11. Qualidade do manejo no curral: o manejo no curral deve ser calmo e silencioso, sem agressões e sem uso de instrumentos ou ações que agridam os animais (p.ex., bastão elétrico e quebra de rabo). O trabalho deve ser realizado com um grupo de animais compatível com a estrutura do curral e com a capacidade da equipe, evitando superlotação e a permanência de animais por longos períodos no curral. Para avaliar a qualidade do manejo, pode-se registrar a velocidade de saída dos animais do equipamento de contenção individual, o número de quedas, escorregões, colisões contra as porteiras, uso de bastão elétrico e ocorrência de agressões, bem como danos às instalações (considerando tábuas quebradas, doses perdidas, estojos de vacina danificados, por exemplo).

8.12. Processos dolorosos e ou aversivos: os animais submetidos a processos dolorosos devem ter alívio da dor e, sempre que possível, esses manejos devem ser evitados. Os sinais de dor devem ser monitorados nos animais.

9. Considere que, no monitoramento baseado no animal, deve-se dedicar atenção a cada animal, individualmente, e não apenas à condição geral do lote.

Conheça todas as Boas Práticas de Manejo

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