Rastreabilidade
da Cadeia da Carne Bovina

A rastreabilidade da cadeia da carne bovina tem recebido atenção especial, visto que é fundamental para garantir a qualidade e a segurança dos alimentos, bem como atender à demanda dos consumidores por informações sobre a procedência dos alimentos que consomem. É notório que a cadeia de fornecimento da carne bovina é complexa e apresenta diversos pontos críticos para a contaminação dos alimentos, principalmente a microbiológica. Nas últimas décadas, foram observados alguns eventos importantes relacionados às interrupções na segurança dos alimentos como, por exemplo, o surto da variante da doença de Creutzfeldt-Jakob e de Salmonella e Escherichia coli, todos relacionados às contaminações de carne bovina (Ringsberg, 2014). Paralelamente, a economia global enfrenta
enormes perdas econômicas devido a produtos alimentícios mal rotulados, mal identificados, contaminados e/ou adulterados. Assim, para conhecer todas as etapas envolvidas no processo de produção da carne bovina se faz necessário estabelecer um programa de rastreabilidade que permita identificar a origem desses problemas.

A Organização Mundial de Saúde Animal definiu a rastreabilidade animal como “a capacidade de seguir um animal ou um grupo de animais durante todas as fases da vida” (WOAH, 2023). Girish e Barbuddhe (2000) vão além nessa definição e afirmam que a rastreabilidade é um conceito interdisciplinar que promove transparência documentada na pecuária sustentável. Segundo esses autores, “carne rastreável” é aquela produzida a partir de um animal identificado individualmente, criado em uma fazenda registrada e que possui informações relacionadas à sua origem e processamento.

Uma das vantagens de um sistema de rastreabilidade eficaz é o recall preciso e a eliminação de produtos alimentícios não consumíveis. Por conta disso, países que têm programas de rastreabilidade bem desenvolvidos desfrutam de vantagens competitivas na exportação de produtos em relação aos que não possuem tais sistemas.

Muitos fatores relacionados ao sistema de produção de um animal podem ser rastreados e são dependentes das exigências dos mercados, assim como das leis específicas de cada país. Entretanto, destaca-se que as questões relacionadas à sanidade (p.ex., ocorrência de doenças e uso de medicamentos e vacinas), regime de alimentação e origem geográfica dos animais são fatores que recebem atenção especial na rastreabilidade da cadeia da carne bovina.

Atualmente, as razões para a identificação dos animais incluem, além da rastreabilidade, a gestão de produção, controle de surtos de doenças, requisitos para exportação e demandas dos consumidores. Existem diversos métodos de identificação e rastreamento animal disponíveis mundialmente, incluindo brincos auriculares, tatuagens, marcações, métodos eletrônicos que implementam tecnologias de identificação por radiofrequência (como bolos ruminais, brincos eletrônicos e transponders injetáveis) e métodos biométricos (como escaneamento de retina, impressões do focinho e DNA). Diante desse cenário, destaca-se que o emprego de cada um deles depende da legislação presente no país e da capacidade de investimento do produtor.

No Brasil, a criação do Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (SISBOV) em 2002, foi uma iniciativa oficial que marcou o desenvolvimento dos sistemas de rastreabilidade e monitoramento da cadeia produtiva da bovinocultura de corte, e tinha como objetivo rastrear todo o rebanho brasileiro (Coalizão Brasil, 2020). Lamentavelmente, por equívocos na estratégia adotada para a implementação do SISBOV, esta iniciativa não foi bem-sucedida. Foi apenas em 2009, após diversas discussões entre o governo e representantes dos segmentos da cadeia de produção de carne bovina e bubalina que foi publicada a Lei nº 12.097, que dispõe sobre o conceito, obrigações e aplicação da rastreabilidade nas cadeias produtivas das carnes de bovinos e de búfalo (Brasil, 2009), regulamentada dois anos mais tarde pelo Decreto nº 7.623 de 2011 (Brasil, 2011). O SISBOV passou então a ter caráter voluntário, conforme definido na Instrução Normativa nº 6, de 20 de março de 2014, do MAPA, que aprovou “…os procedimentos de homologação, a estrutura básica e os requisitos mínimos do manual de procedimentos dos protocolos de sistemas de rastreabilidade de adesão voluntária da cadeia produtiva de carne de bovinos e de búfalos, quando suas garantias forem utilizadas como base para certificação oficial brasileira…” (MAPA, 2014).

As perspectivas futuras mostram que para lidar com as questões de segurança da carne bovina, as empresas produtoras devem aumentar sua conscientização sobre questões de segurança dos alimentos, enquanto as autoridades regulatórias devem monitorar rigorosamente o processo de produção e estabelecer um sistema de rastreabilidade, que é a maneira mais eficaz, econômica e conveniente de monitorar e garantir aos consumidores a oferta de carne que não cause risco à saúde humana (Xiong e colaboradores, 2023). Para tanto, a gestão da cadeia de fornecimento de alimentos impulsionada pela rastreabilidade no setor de alimentos provavelmente implementará tecnologias inovadoras como a Internet das Coisas (IdC). Aplicações associadas à IdC fornecem informações atualizadas sobre produtos, bem como fatos sobre contaminação durante a produção e distribuição (Zhu e colaboradores, 2018). Programas habilitados para IdC e tecnologias
aplicáveis como Identificação por Radiofrequência (RFID) possivelmente revolucionarão o setor de alimentos ao digitalizar informações para serem consultadas e gerenciadas em tempo real (Casino e colaboradores, 2020). A aplicação da tecnologia blockchain experimentou recentemente um notável crescimento e sua capacidade dentro do setor de alimentos está apenas começando (Xu e colaboradores, 2022). O blockchain é um local de transações virtual, mantido por várias máquinas de computação ponto a ponto que não dependem de uma terceira parte confiável. Cada arquivo de dados de transação (bloco) é controlado por meio de sistemas de software exclusivos que permitem que os dados sejam transmitidos, processados, armazenados e representados em forma legível por humanos (Patel e colaboradores, 2023). Um exemplo dessa tecnologia pode ser na possibilidade de um consumidor ao acessar um código (como um QRcode, por exemplo) na embalagem de um produto e saber não apenas os dados relacionados ao produtor e manejos, mas fotos e até mesmo vídeos desse estabelecimento e/ou de seu produtor.

Pesquisadores indicaram que a tecnologia blockchain deve ser utilizada no setor de alimentos por duas razões: um sistema de rastreamento de alimentos mais eficiente pode aumentar a confiança do consumidor sobre a segurança da carne bovina e é possível identificar rapidamente a origem de uma contaminação alimentar. Essa tecnologia garante um sistema à prova de violações, transparente, compartilhado e seguro, que pode permitir uma solução de negócio inovadora, especialmente junto com contratos inteligentes.

Diante do exposto, é necessário que o Brasil amplie seu programa de rastreabilidade da carne bovina, abrangendo todo o rebanho, de forma a oferecer a todos os consumidores produtos que atendam às suas expectativas, assegurando a oferta de alimentos seguros para todos. Nesse contexto, em março de 2024, a Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável entregou oficialmente ao Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA)uma proposta para uma política pública nacional de rastreabilidade individual bovina. Com a crescente cobrança no tema, a Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA/MAPA), por meio da portaria nº 1.113, em maio de 2024 instituiu o Grupo de Trabalho para a elaboração de um plano estratégico para implementar uma política pública de rastreabilidade individual de bovinos e bubalinos no Brasil, visando melhorar a capacidade de controle nos programas de saúde animal.

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