Redução do uso de antibióticos
na produção animal

Nas últimas décadas, houve um aumento expressivo na preocupação com o uso de antibióticos na produção animal motivado pelas questões relacionadas à resistência antimicrobiana (AMR), com efeitos negativos na saúde pública e no bem-estar dos animais. Os antibióticos têm sido usados para fins terapêuticos (tratamento de animais doentes), profiláticos ou metafiláticos (para prevenir que um ou mais animais fiquem doentes) e como promotores de crescimento e da produção de leite e ovos (para melhorar o desempenho produtivo). Com exceção do uso terapêutico, as demais práticas acima listadas têm sido questionadas pelo seu uso indiscriminado que aumenta o risco de AMR.

Para entender o problema é preciso levar em conta que, historicamente, os antibióticos têm sido utilizados como promotores de crescimento de animais de produção, sendo evidente que seu uso promove o crescimento mais rápido e uma melhor conversão alimentar. Isso levou os produtores a adotarem o uso rotineiro de antibióticos como uma prática padrão para maximizar a produção de carne, leite e ovos. Paralelamente, além do uso como promotor de crescimento, os antibióticos também têm sido amplamente utilizados como medida profilática nas cadeias produtivas da pecuária, principalmente com o objetivo de prevenir a ocorrência de doenças em animais criados em condições intensivas, como as encontradas em sistemas de confinamento. Neste caso, ao administrar antibióticos regularmente aos animais, os produtores buscavam evitar surtos de doenças que poderiam resultar em perdas econômicas, como é o caso do uso de antibióticos para prevenção de doenças respiratórias em bovinos confinados. Assim, o uso de antibióticos na produção animal tem sido tratado como uma solução econômica e eficiente para promover o crescimento e prevenir doenças pois, em muitos casos, é mais barato e conveniente administrar antibióticos aos animais do que investir em práticas alternativas de criação animal, melhorias de manejo ou medidas preventivas de saúde.

É agravante o fato de que, em muitos países, há falta de regulamentação ou de controle em relação ao uso de antibióticos na produção animal. Isso permitiu que os antibióticos fossem utilizados de forma indiscriminada e muitas vezes sem a supervisão veterinária adequada. Além disso, a pressão constante para aumento da produtividade animal tem pressionado os produtores a maximizarem a produção e minimizarem os custos, o que tem levado a uma adoção generalizada de práticas de produção que dependem fortemente do uso de antibióticos, sem considerar os riscos para a saúde pública e o meio ambiente, apesar de ser de conhecimento de todos que o uso indiscriminado de antimicrobianos na produção animal aumenta o risco de AMR, colocando em risco a saúde de humanos e animais.

Destaca-se que nos últimos anos não têm sido descobertos novos fármacos e os dados indicam que AMR aumenta em 50% os riscos de morte se comparada a doenças causadas por microrganismos não resistentes (WHO, 2018). Além disso, de acordo com um estudo realizado por O’Neill (2016), todos os anos mais de 700 mil pessoas no mundo morrem de infecções resistentes a antimicrobianos. O mesmo autor é enfático em mencionar que sem uma ação rápida e responsável, o número de mortes causada pela resistência aos antimicrobianos pode chegar a 10 milhões por ano até 2050. Paralelamente, em 2013, o consumo global de todos os antimicrobianos por animais de produção foi estimado em 131.109 toneladas [intervalo de confiança (IC) de 95% (100.812 a 190.492 toneladas) e deve atingir 200.235 toneladas [IC 95%; 150.848 a 297.034 toneladas)] até 2030, conforme apresentado no estudo de
Van Boeckel e colaboradores (2017).

Diante dessa ameaça à saúde pública, desde 2010 a Aliança Tripartite, formada pela Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH), Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), está comprometida no combate à resistência aos antimicrobianos (AMR). As três organizações trabalham de forma a mitigar os riscos sob a perspectiva do conceito de “Uma Saúde”, reconhecendo a conexão entre saúde humana, animal e ambiental. Desta forma, a Aliança soma esforços para implementação do projeto “…Trabalhando juntos para combater a resistência aos antimicrobianos…”, incluindo o Brasil. Recentemente o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) passou a integrar esta aliança, tornando-se assim Aliança Quadripartite, que segue trabalhando para o desenvolvimento de diretrizes e padrões internacionais, bem como a coordenação de esforços para promover
práticas responsáveis em todo o mundo (Lentz, 2022).

Com o aumento da conscientização sobre os riscos associados ao uso indiscriminado de antibióticos e sua relação com a AMR, tem havido uma mudança gradual em direção a práticas de produção mais sustentáveis e responsáveis, com um foco na redução do uso de antibióticos e na promoção da saúde animal e humana.

De maneira muito clara, as tendências globais indicam a necessidade de redução do uso de antibióticos na produção animal, com foco crescente na promoção de práticas mais sustentáveis, na regulamentação mais rigorosa e na conscientização dos consumidores sobre os impactos do uso de antibióticos na saúde pública e no meio ambiente. A seguir são listadas ações práticas para o uso responsável de antibióticos na produção animal, visando redução dos riscos associados à resistência antimicrobiana e a segurança dos alimentos de origem animal:

Redução do uso de antibióticos
na produção animal

1. Utilizar antibióticos apenas quando necessário e sob orientação veterinária: isso inclui diagnosticar corretamente a doença,
selecionar o antibiótico apropriado e administrá-lo na dose correta e pelo período recomendado.

2. Evitar o uso de antibióticos como promotores de crescimento: antibióticos não devem ser utilizados rotineiramente para promover o crescimento ou melhorar a eficiência alimentar dos animais. O uso não terapêutico veterinário, têm sido fortemente contraindicados pelos órgãos de saúde internacionais. O Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) restringiu ao longo dos últimos anos a autorização de diversos antimicrobianos com finalidade de aditivos melhoradores de desempenho. Adicionalmente, agentes antimicrobianos considerados clinicamente importantes (aqueles que são frequentemente usados na medicina humana, ver lista MIA da WHO, 2024) não devem ser empregados para esta finalidade.

3. Adotar boas práticas de manejo e criação de animais: a promoção das boas práticas de manejo e bem-estar animal nos sistemas produtivos deve se dá pela conscientização dos produtores acerca do atendimento das necessidades básicas dos animais. Isto facilita a adaptação do animal ao sistema produtivo, reduz fontes de estresse e, consequentemente, melhora sua capacidade de defesa imunológica, com reflexos positivos para saúde, desempenho dos animais e redução das necessidades no uso de antibióticos. Por exemplo, a utilização de antimicrobianos de forma a prevenir a ocorrência de doenças (profilaxia), normalmente, acontece em situações de manejo estressantes para os animais, como durante transporte de animais por longas distâncias ou para animais recémdesmamados. Nesta terapia, antimicrobianos são administrados por um período curto, em doses terapêuticas para doenças que já se
sabe que têm alta probabilidade de ocorrer, de forma a evitar sua ocorrência. Nesse caso, a minimização da condição estressante deve ser considerada como primeira opção. Paralelamente, cabe salientar que antimicrobianos considerados clinicamente importantes só devem ser administrados ou aplicados para metafilaxia ou profilaxia quando a supervisão profissional identificar circunstâncias bem definidas e excepcionais, dose e duração apropriadas, com base no conhecimento clínico e epidemiológico, consistente com o rótulo e de acordo com as normas nacionais.

4. Ter um protocolo sanitário bem definido e adotar medidas preventivas: o uso de vacinas e medidas preventivas, como boas práticas de higiene, e controle ambiental tendem a reduzir a necessidade de antibióticos na prevenção de doenças como, por exemplo, realizando a correta cura do umbigo de bezerros recém-nascidos e reduzindo a concentração de poeira no ar de confinamentos.

5. Minimizar o uso de antibióticos de importância crítica para a saúde humana: antibióticos considerados críticos para a saúde humana devem ser reservados para uso em casos específicos e quando não há alternativas disponíveis. Isso ajuda a reduzir o risco de transferência de resistência bacteriana dos animais para os seres humanos.

6. Monitoramento e relatórios: os produtores devem implementar sistemas de monitoramento para acompanhar o uso de antibióticos, identificar padrões de resistência antimicrobiana e relatar essas informações às autoridades reguladoras e de saúde pública.

7. Educação e treinamento: produtores, veterinários e trabalhadores da indústria animal devem receber educação e treinamento sobre o uso responsável de antibióticos, boas práticas de manejo animal e prevenção de doenças. Para combater o problema da multirresistência, médicos veterinários que trabalham com saúde animal, bem como profissionais que atuam na fiscalização, ensino e fomento, devem priorizar as boas práticas agropecuárias a fim de melhorar a higiene dos sistemas produtivos, além de também implementar e aplicar um programa de administração de antibióticos. Ademais, é importante que todos os membros da comunidade e produtores rurais participem desse esforço, garantindo uma saúde e um bem-estar.

8. Transparência e rastreabilidade: as cadeias de produção de alimentos de origem animal devem ser transparentes e capazes de
rastrear a origem dos produtos, incluindo informações sobre o uso de antibióticos, para garantir a segurança dos alimentos e a confiança
dos consumidores.

No Brasil, todas as substâncias antimicrobianas utilizadas devem ser informadas no Boletim Sanitário dos Animais, documento oficial obrigatório que acompanha os lotes no momento do abate. Outrossim, os produtores devem respeitar o período de carência compreendido entre a administração do fármaco e o abate dos animais, evitando, desse modo, a presença de resíduos nos produtos de origem animal que serão consumidos (carne, leite e ovos, e seus derivados).

Legislação Brasileira

Em 2016, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) instituiu uma Comissão responsável sobre Prevenção da Resistência aos Antimicrobianos em Animais (CPRA) e, posteriormente, o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Agropecuária (PAN-BR AGRO). Para garantir a sustentabilidade das atividades de enfrentamento à AMR no âmbito do MAPA, também foi instituído o Programa Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos na Agropecuária (AgroPrevine), por meio da publicação da Instrução Normativa MAPA nº 41/2017.

Destaca-se que, em 2018, o Brasil publicou seu “Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Saúde Única” (PAN-BR, Ministério da Saúde, 2019), em convergência com os objetivos definidos pela Aliança Quadripartite formada pela WHOO, FAO, WOAH e PNUMA, retratados no Plano de Ação Global sobre Resistência aos Antimicrobianos, do qual o Brasil é signatário. O PAN BR define objetivos, intervenções estratégicas e atividades a serem executadas de forma multidisciplinar para o combate à AMR no país. Alinhado aos esforços de combate a resistência no âmbito do conceito de Uma Saúde, o Brasil conta, desde 2018, com o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Agropecuária — o PAN-BR AGRO — que possui ações específicas a serem desenvolvidas pelo setor agropecuário referentes ao tema da AMR. Informações atualizadas sobre o tema AMR, materiais de referência e links importantes podem ser consultados na página do MAPA, disponível em: Resistência aos antimicrobianos — Ministério da Agricultura e Pecuária (www.gov.br) Adicionalmente, em consonância com as diretrizes e recomendações internacionais pactuadas, o Brasil possui o Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em Produtos de Origem Animal – PNCRC/MAPA, objetivando promover a segurança química dos alimentos, e tem como finalidade garantir a inocuidade dos alimentos quanto à presença de resíduos decorrentes do uso de drogas veterinárias, agroquímicos e contaminantes ambientais.

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