Produzir mais, gastando menos e ainda regenerando o solo. Essa é a lógica da pecuária regenerativa, modelo que, segundo o consultor do Programa Fazenda Nota 10, Rodrigo Gennari, “visa devolver ao solo o que foi retirado e aumentar a biodiversidade em um processo semelhante ao que ocorre na natureza”. Não se trata de um conceito totalmente novo, mas que vem ganhando força diante da urgência em reverter a degradação dos solos.
Para Gennari, a transição é estratégica. “Uma fazenda que visa índices sustentáveis também consegue produzir mais com menos, obtendo mais margem no negócio”, afirma. Entre os pilares dessa produção estão o manejo das pastagens, a integração de culturas e animais, a conservação da água, o bem-estar animal e a cobertura permanente do solo. Práticas como pastejo rotacionado, adubação equilibrada e sistemas de Integração Lavoura-Pecuária (ILP) são apontadas como essenciais.
Os resultados, segundo ele, já são mensuráveis. Uma das propriedades acompanhadas pelo programa inverteu seu investimento, destinando 70% para pastagem e ILP e apenas 30% para insumos do rebanho. O resultado foi um aumento de 15% na margem final. “Fazendas que fazem gestão, olham os números e investem em sustentabilidade e bem-estar animal são mais rentáveis”, destaca o consultor.
Na entrevista a seguir, Gennari detalha práticas, desafios e oportunidades desse modelo de produção que une competitividade e responsabilidade ambiental. Confira na íntegra e entenda por que a pecuária regenerativa está ganhando cada vez mais espaço no campo e no mercado.

Podemos dizer que o conceito de pecuária regenerativa é novo? Por que ele é considerado uma tendência?
R: Não é totalmente novo. A agricultura e a pecuária regenerativas têm o intuito de devolver o que foi retirado do solo e aumentar a biodiversidade em um processo semelhante ao que ocorre na natureza. O conceito ganhou destaque ultimamente devido à preocupação com as mudanças climáticas e ambientais, além da degradação dos solos, porém já existia.
É considerado uma tendência, pois visa tratar o sistema e ajuda na mitigação, ou seja, na remoção de carbono (o sistema trabalha para remover e balancear o meio). Assim, ajuda no combate às mudanças climáticas, torna a propriedade mais sustentável e mais rentável, pois uma fazenda que visa índices sustentáveis, também consegue produzir mais com menos, obtendo mais margem no negócio.
A maior conscientização da população leva ao aumento da demanda por alimentos produzidos de forma sustentável pelos mercados, impulsionando esse conceito e estimulando o setor a sair da produção tradicional, para uma produção moderna visando ecologia e saúde no solo.
Como você define a pecuária regenerativa e quais são os principais pilares desse modelo de produção?
R: A definição da pecuária regenerativa visa um modelo de restauração do ecossistema, focado principalmente no solo, visando aumento de vida no solo, com aumento de matéria orgânica. A pastagem é fundamental para esse conceito. Por meio de estratégias de estímulo de crescimento de pasto, com altura ideal de entrada e saída dos animais dos piquetes para cada tipo de capim, visa não degradar a área e estimular crescimento.
Além disso, o ciclo de nutrientes fica mais eficiente por não ter degradação. O foco é na biodiversidade, na integração de diferentes culturas, na participação de animais, na qualidade de água e no bem-estar animal, que faz toda a diferença no sistema produtivo. Animais saudáveis produzem mais, e obtém menores perdas, permitindo ao sistema saldo positivo pela captura de carbono do meio.
Quais práticas de manejo são consideradas essenciais para que uma fazenda de pecuária seja classificada como regenerativa?
R: O primeiro passo é adotar ações voltadas à prevenção da perda de nutrientes e biodiversidade e à melhoria da fertilidade do solo, aliadas a estratégias eficientes de produção de pastagem. Um exemplo é o pastejo rotacionado, que consiste em dividir o pasto em áreas menores para permitir um manejo planejado do rebanho. Essa prática favorece a recuperação e o descanso da vegetação, evita o sobrepastejo, aumenta o teor de matéria orgânica no solo e estimula o desenvolvimento de raízes mais profundas.
Outro ponto importante é a adubação, que deve ser feita de acordo com o perfil de cada área, e tem por objetivo enriquecer o solo com nutrientes necessários para a proliferação de microrganismos e aumentar a biodiversidade.
Também se destacam práticas como a Integração Lavoura-Pecuária (ILP), que combina o cultivo de pastagens com culturas de grãos e a produção de animais no mesmo espaço, promovendo diversificação e enriquecimento do solo pela alternância das duas culturas e a adubação natural do solo pelo gado.
A cobertura do solo é outra medida essencial, pois protege contra a erosão, conserva a umidade e mantém a microbiologia ativa. Isso pode ser feito com pastagens ou culturas específicas para cobertura.
Por fim, investir na saúde e no bem-estar animal oferecendo sombra, água de qualidade e um ambiente natural, garante melhor desempenho do rebanho, reduz perdas e diminui a necessidade de uso de medicamentos.
Você pode citar alguns resultados observados em propriedades que adotam a pecuária regenerativa?
R: Temos fazendas que participam do Programa Fazenda Nota 10 que vem colhendo excelentes frutos adotando práticas de sustentabilidade, com alta produtividade e menor desembolso.
Com o sistema de integração lavoura-pecuária (ILP), que combina o cultivo de milho e soja com áreas de pastagem, uma dessas fazendas, por exemplo, conseguiu equilibrar melhor seus gastos. Antes, 70% do investimento era destinado a insumos para o rebanho, principalmente nutrição no cocho, enquanto apenas 30% era destinado a pastagem.
Ao utilizar o método de gestão com base na comparação do Benchmarking do Instituto Inttegra, percebeu que essa distribuição estava desproporcional. Assim, inverteu a lógica: passou a investir 70% na pastagem e no sistema ILP, e 30% nos insumos do rebanho, priorizando o manejo das áreas de pastagem.
Com isso, a fazenda teve aumento da margem final em 15%. Ou seja, fazendas que fazem gestão, olham os números, aplicam ações de sustentabilidade e saúde e bem-estar animal, são mais rentáveis.
A adoção desse modelo exige investimentos e mudanças de mentalidade por parte dos produtores. Quais são os principais obstáculos enfrentados no processo de transição?
R: Primeiramente é o pecuarista entender que a pecuária convencional precisa ser mudada, o que fazíamos no passado não irá nos levar para frente, pois temos outras ferramentas que nos proporcionam mais produção e rentabilidade, produzindo de forma sustentável.
Essa mudança precisa ser cultural e mental. A resistência acontece através do tradicionalismo, além do medo investir e ter perda financeira, por ser algo novo. Além de outros fatores, como a falta de assistência técnica na região, falta de capacitação profissional, falta de clareza e falta de mensuração dos dados (gestão) para analisar quais métodos novos implementados, estão dando resultado.
Quais perspectivas podemos apontar para os produtores que adotarem essas práticas nos próximos anos?
R: Primeiramente notamos uma exigência maior do mercado consumidor, visando qualidade e rastreabilidade da origem animal. Para fornecer esses dados, algumas ferramentas vêm sendo criadas, como o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Bovinos (Sisbov), entre outras.
Junto a isso, a alta demanda de exportação visa animais mais jovens e de melhor qualidade. Com isso as fazendas investem em melhoramento genético, melhor sanidade, conforto animal e sustentabilidade, pois o produto vem a ser remunerado por essa produção diferenciada, atingindo o mercado “premium”.
Além disso, temos novas linhas de carne sendo lançadas, como “Carne Carbono neutro” para mercados internos e externos, podendo ser pago até 20% a mais que no produto convencional. Ou seja, o mercado cada vez mais está exigindo um produto sustentável e pagando por ele, mostrando ao produtor que sim, é possível e é rentável produzir de forma sustentável e economicamente viável.
Que tendências ou inovações devem impulsionar esse movimento nos próximos anos?
R: Fazendas que ingressaram no método inovador de sustentabilidade e pecuária regenerativa estão e estarão a frente no mercado, estando aptas a um novo padrão de competitividade.
Tendências em constante crescimento, como a inteligência artificial, já estão sendo aplicadas em diferentes etapas da produção, desde o manejo do solo até o monitoramento de cocho, água e pastagem, passando por sensores em cercas e pela pesagem automática dos animais por meio de brincos eletrônicos. Tecnologias como drones para pulverização e contagem de animais também ganham espaço.
Junto a isso, modelos de inteligência climática e previsões aplicadas ajudam a reduzir perdas e a planejar cenários futuros, beneficiando não apenas a produção, mas também as áreas de gestão e mercado.
Além disso, acreditamos que a educação e a sucessão no campo têm renovado o perfil do produtor, que cada vez mais atua como agente de inovação e sustentabilidade. Também ganham espaço novas certificações e formas de monetizar serviços ambientais, como o crédito de carbono, entre outras fontes de receita.
Fonte: Produzindo Certo