Conserv é uma das primeiras iniciativas de Pagamentos por Serviços Ambientais do país e já está remunerando 16 produtores rurais.
Os produtores rurais preservam 25,6% de toda a vegetação nativa do Brasil, segundo dados da Embrapa. Do lado de dentro das porteiras há um total de 218 milhões de hectares de floresta conservada. E, de acordo com um levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), muitas propriedades rurais vão além da legislação e mantêm em pé cerca de 11 milhões de hectares de árvores que poderiam ser desmatadas legalmente.
Sendo assim, para incentivar os produtores a continuar preservando essas áreas, o Ipam idealizou o Conserv, que é um dos primeiros projetos do país que está colocando em prática o conceito de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).
“Então, o Conserv é um mecanismo financeiro que remunera os produtores que têm o direito de desmatar. Então remunera por estas áreas que são legalmente desmatáveis para que haja a desistência desse direito de desmatar”, explica André Guimarães, diretor executivo do Ipam.
Com o Conserv o produtor tem a possibilidade de ter a renda de uma quarta safra na propriedade. Eduardo Stabile, que é pesquisador e coordenador de projetos no Ipam, explica que a intenção do projeto é “desenhar um modelo de negócios para fazer isso virar um complemento de renda, uma outra safra para o produtor, que não seja só a safra agrícola, mas a safra da vegetação nativa da floresta”.
Quanto vale a área preservada?
Até agora já são 16 propriedades rurais sendo recompensadas pela preservação de 14.320 hectares de florestas nativas nos biomas Cerrado e Amazônia por meio do Conserv. O cálculo do valor a ser recebido pelos produtores é baseado em diferentes aspectos.
“A conservação de florestas ela tem uma parte da lógica que é ecológica e tem uma parte da lógica que é econômica. Então a gente calcula o valor daquele hectare baseado em quatro fatores principais, três deles ecológicos e um econômico. O primeiro fator é o volume de carbono que nós temos naquela floresta; o segundo elemento é a importância para a biodiversidade (…); o terceiro elemento é a importância daquela área preservada para conservação dos recursos hídricos e para a manutenção dos fluxos naturais de chuvas, por exemplo. Então a gente analisa esses três parâmetros ecológicos ou ambientais e um parâmetro que é analisado é o custo de oportunidade daquela área, quanto que o produtor ganharia se ela ou ele desmatassem para poder produzir pecuária ou produzir soja, produzir milho ou produzir algodão. Então a gente montou uma equação que leva em conta esses quatro elementos e nos permite chegar a um valor, valor esse que é oferecido ao produtor com uma remuneração anual em um contrato de três anos para que ele ou ela decidam se tem interesse em entrar no programa. Até agora, felizmente, todas as ofertas que foram feitas pelo conselho foram aceitas”, detalha Guimarães.
Mapeamento de propriedades com áreas conservadas
Para identificar as fazendas com áreas de preservação excedentes da reserva legal e que tem potencial para participar do projeto, a equipe do Ipam faz uma combinação entre os dados de satélite com as informações do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
“Isso é um trabalho de sensoriamento remoto com sistemas de informações geográficas. Então a gente usa o Cadastro Ambiental Rural, que é um dado público que existe no Serviço Florestal Brasileiro que identifica o perímetro das propriedades, nada além do perímetro. Então a gente não sabe quem que ocupa aquela área, mas aquilo ali é uma declaração de que aquela fazenda é de uma pessoa e a gente, usando outros sistemas, como o INPE, o Prodes do Inpe, que é o sistema que olha o desmatamento na Amazônia Legal e no Cerrado, vê quanto dá área foi convertida e fazendo um estudo a gente consegue estimar as fazendas que têm áreas passíveis de conversão legal”.
Um dos aspectos que contribuem para o Brasil ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo, são as condições climáticas e o ciclo de chuvas regulares na maior parte do país. De acordo com André Guimarães, uma única árvore da Amazônia bombeia cerca de 1 mil litros de água por dia para a atmosfera. Isso demonstra a importância da manutenção das áreas florestais para a sustentabilidade da produção agrícola.
“A conservação das florestas nativas, da vegetação nativa no Brasil é o seguro agrícola pelo qual a gente, hoje em dia, se beneficia, mas não paga. Então, a gente entende que a conservação dessas áreas assegura a estabilidade no regime de chuvas e no regime climático, por consequência, e de toda uma gama de outros serviços ambientais, como a biodiversidade e o habitat da biodiversidade, que são importantes para a produção”, disse o pesquisador Eduardo Stabile em entrevista ao vivo ao Planeta Campo durante o quadro Pecuária Sustentável na Prática, realizado em parceria com o Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS).
Stabile explicou também a importância do ciclo de chuvas para a produção de três safras por ano no Brasil. “Em várias das fazendas que são parceiras do Conserv existem duas ou três safras agrícolas no ano. Você tem a soja plantada de primeira safra, você tem um milho plantado segunda safra e você tem o pasto que acaba sendo a terceira safra. E isso só é possível porque você tem uma chuva que é recorrente e constante, que permite que você tenha disponibilidade hídrica para essas três culturas e, portanto, você consegue produzir nesse mesmo hectare três vezes no ano”.
O pesquisador ainda comentou sobre os prejuízos que podem ocorrer caso aconteça o Tipping Point na Amazônia, ou seja, caso o desmatamento chegue a um ponto de não retorno, em que não seja mais possível recuperar a floresta. “Quando você atingir esse momento você vai ter uma mudança drástica não só no regime climático, no regime de chuvas, mas no clima como um todo, nas temperaturas. E aí você inviabiliza essa segunda e terceira culturas. Então a conservação das áreas de vegetação nativa nas reservas legais, nas áreas protegidas e pelo Conserv contribuem nessa mitigação das mudanças climáticas e asseguram a sustentabilidade da agricultura e da pecuária no longo prazo”, concluiu Marcelo Stabile.