Desde os primórdios da civilização, a pecuária foi o que possibilitou a expansão e o aproveitamento dos lugares mais remotos do planeta pela espécie humana, já que os ruminantes colhem e aproveitam a energia contida nas fibras das forragens. Fazem isso transformando um alimento pobre, muito disperso e que não conseguimos consumir, em outro, de grande concentração e alta qualidade nutricional, servindo como reserva de comida e tendo como subproduto vestimentas e abrigo para as mais inóspitas situações.
No Brasil, a pecuária começou com a chegada dos portugueses que trouxeram os primeiros “animais de criação”. Eles foram usados, de início, para tração nos engenhos litorâneos de cana de açúcar. A interiorização ocorreu a partir do início do século XVIII com a descoberta de ouro e o estabelecimento das chamadas “fazendas de criar”, que forneciam carne e, sobretudo, artefatos de couro ao longo do caminho dos bandeirantes.
A abundância de terras fracas, a ocupação de grandes áreas e principalmente a falta de valor dos seus produtos, marcou por muito tempo a pecuária e deixou marcas de baixa eficiência e características extrativistas no nosso sistema de produção. Essa situação só começou a mudar, ainda que timidamente, a partir dos anos 1980 com os primeiros trabalhos de intensificação na Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz), na Embrapa e em outras instituições de ensino e pesquisa.
A trajetória desta atividade tão importante para o desenvolvimento e para própria fisionomia do Brasil precisa ser mais bem conhecida, respeitando-se os contextos tecnológicos e históricos. Só assim é possível entender como o pecuarista, que já foi considerado o “desbravador do sertão” num passado não muito distante, atualmente é tido como o principal “inimigo da natureza” por boa parte da sociedade.
Desde que passamos a nos preocupar com a reutilização e perpetuação dos recursos de um planeta finito, também como pecuaristas, entendemos que devemos rever e adequar nossos sistemas produtivos, a fim de que as gerações futuras não tenham dificuldades para manter seu bem-estar econômico, social e ambiental.
Assim como em toda atividade humana, na pecuária o principal recurso é a energia que, captada do sol pelas plantas (pastos, ervas, arbustos e árvores) através da fotossíntese e usando o carbono da atmosfera, pode – e precisa – ser mais bem aproveitada no sistema. Quanto menos aproveitarmos essa energia contida no chamado “ciclo curto de carbono” mais teremos que lançar mão do uso de energia fóssil (petróleo, carvão e gás) acumulada há milhões de anos no fundo da terra.
Na pecuária o desperdício da energia se dá, primordialmente, pela colheita inadequada da forragem no pastejo desigual. Precisamos lembrar que a colhedeira pecuária tem quatro patas e preferências individuais quanto às partes a serem colhidas. Portanto, se não conduzirmos o pastejo para que seja feito em plantas no porte adequado – o que depende de cada espécie forrageira e de seu ritmo de crescimento – a preferência do animal vai ser sempre pelas partes novas, recém-brotadas, o que gera desuniformidade no uso e degradação crescente de áreas do pasto.
Apesar de parecer algo trivial, o pastejo homogêneo das forrageiras tropicais, é de suma importância para a produtividade, perenidade, sequestro das emissões, reversão da degradação, ou seja, questão vital para sustentabilidade da pecuária como um todo, e, por consequência, para a melhoria da imagem da atividade.
José Ultímio Junqueira Jr. é representante da Associação dos Profissionais de Pecuária Sustentável (APPS), organização associada ao GTPS.
Artigo publicado originalmente na edição 181 da Revista Feed&Food.