*Ana Doralina Menezes
Quando falamos em agropecuária de baixo carbono, ainda é comum que a pecuária seja vista como parte do problema. Mas a realidade no campo brasileiro já demonstra o contrário: com conhecimento técnico, articulação multissetorial e políticas públicas bem estruturadas, a pecuária já é parte essencial da solução climática.
No último dia 4 de junho, participei do evento Agricultura de Baixo Carbono e Sustentabilidade Produtiva no Brasil, promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Brasília. Tive a oportunidade de representar a Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável no painel sobre Aspectos Técnicos e Ganhos de Produtividade, ao lado de especialistas de instituições como Embrapa, CCarbon e ABBIN. O encontro reforçou aquilo que já vemos no nosso trabalho diário: o Brasil tem capacidade única para liderar uma pecuária produtiva, regenerativa e de baixo carbono.
A Mesa Brasileira, com seus mais de 60 associados de toda a cadeia da carne bovina, atua há 17 anos para mostrar que sustentabilidade e produtividade caminham juntas. Iniciativas como sistemas integrados de produção (ILPF, ILP), pastejo rotacionado, melhoramento genético, nutrição balanceada e recuperação de pastagens degradadas não apenas aumentam a produção por hectare como reduzem a emissão de gases de efeito estufa por quilo de carne produzida. Segundo estimativas da FGV, a adoção em larga escala dessas práticas pode reduzir mais de 50% das emissões da pecuária de corte até 2050. Já não é mais uma questão de potencial: é uma realidade comprovada no campo.
O Plano ABC+, outro destaque do evento, é um marco na construção de uma agropecuária de baixo carbono no Brasil. A Mesa Brasileira tem sido parceira ativa dessa agenda, contribuindo com dados, recomendações técnicas e experiências de campo. Também temos atuado na elaboração de propostas para rastreabilidade, no fortalecimento das metas climáticas no setor e no apoio ao desenvolvimento do Caminho Verde Brasil, anteriormente chamado de Plano Nacional de Conformidade e Produção com Desmatamento Zero (PNCPD).
Durante o evento do BID, um ponto comum em todos os painéis foi o reconhecimento de que a pecuária já evoluiu muito dentro da porteira. As tecnologias existem e estão em prática: saúde do solo, uso de bioinsumos, integração lavoura-pecuária-floresta, integração lavoura-pecuária, descarbonização e ganho de produtividade. O desafio agora é outro: levar essas soluções a todos os perfis de produtores, com apoio técnico, comunicação eficaz, políticas públicas e capilaridade.
É urgente reforçar o papel da assistência técnica e da comunicação adaptada, com materiais acessíveis e linguagem adequada, entender suas dificuldades e demandas, para alcançar pequenos e médios produtores, que representam a maior parte da pecuária brasileira. Tecnologia e informação precisam ser democratizadas, com apoio público e privado, para que cheguem a todos os rincões do país.
Por falar nisso, um dos painéis trouxe um recorte muito interessante sobre a atuação dos estados, especialmente no Norte e Nordeste, como Pará e Piauí. Ali se falou da importância de organizar e capacitar os pequenos produtores, e como isso tem gerado resultados concretos. Projetos estaduais que integram ações de assistência, governança e incentivos têm demonstrado que é possível transformar realidades locais, promovendo inclusão produtiva e sustentabilidade.
Por fim, precisamos despertar e enaltecer as características diferenciais do nosso produto, gerando reconhecimento e diferenciação. Nossa carne é produzida majoritariamente a pasto, com baixa pegada de carbono e respeito aos recursos naturais. Isso é um diferencial competitivo e precisa ser comunicado.
A mensagem que levamos ao BID é clara: a pecuária brasileira não pode mais ser tratada apenas como parte das emissões; ela precisa ser reconhecida como vetor de conservação e regeneração. Com apoio técnico, investimento e articulação, o boi pode ser uma força climática positiva.
Nosso chamado é para todos os elos da cadeia: governos, empresas, produtores e financiadores. É hora de intensificar com responsabilidade. De adotar soluções robustas. De destravar o investimento climático no campo. A produção sustentável é, mais do que nunca, o único caminho para a resiliência econômica e ambiental.
A pecuária brasileira pode – e é – protagonista na agenda do clima.
*Ana Doralina Menezes, presidente da Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável