Frigoríficos que assinaram com o Ministério Público Federal (MPF) o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne Legal e contrataram auditorias independentes apresentam apenas 4% de irregularidades em suas operações na Amazônia, enquanto empresas que não contrataram auditorias – e, por isso, tiveram seus dados analisados por verificações automáticas – registram 52% de não conformidade, uma taxa 13 vezes maior.
A conclusão faz parte do segundo ciclo unificado de auditorias na cadeia pecuária da Amazônia Legal, que está sendo divulgado nesta quarta-feira (14) pelo MPF (confira no canal da instituição no YouTube). O ciclo de auditorias avaliou 89 unidades de frigoríficos em seis estados amazônicos quanto ao cumprimento de critérios socioambientais nas compras de gado realizadas em 2022.
O trabalho das auditorias verificou se os frigoríficos inspecionados têm realizado o devido controle de origem da carne comprada dos produtores da região, conforme estabelecido nos TACs firmados com o MPF desde 2009, conhecidos como TACs da Carne Legal.
A apresentação dos dados, na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília (DF), é parte das ações preparatórias para a participação do MPF na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada em Belém (PA).
Análise multissetorial – Para o evento de divulgação dos resultados foi programada uma mesa multissetorial para discutir avanços e desafios do TAC. Do âmbito governamental, foram convidados representantes dos Ministérios do Meio Ambiente (MMA), da Agricultura e Pecuária (Mapa) e da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) também foram convidados.
Organizações da sociedade civil e instituições de apoio técnico foram convidadas a contribuir com seus conhecimentos especializados, incluindo: Amigos da Terra – Amazônia Brasileira (AdT); Programa Boi na Linha, conduzido pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora); Grupo de Trabalho de Fornecedores Indiretos (GTFI); e Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável (MBPS).
Para contribuir com conhecimento acadêmico, foram convidados representantes da Universidade de Wisconsin-Madison (UW) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O setor produtivo e empresarial foi convidado a ser representado por diversas entidades: Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec); Associação dos Criadores do Pará (Acripará); Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA); Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB); e a União Nacional da Indústria e Empresas da Carne (Uniec).
Para complementar a discussão com a visão do setor financeiro, foi convidada a Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
Resultados por estado – As auditorias foram realizadas em 2024 e 2025, analisando transações comerciais de janeiro a dezembro de 2022, e abrangeram frigoríficos de seis estados: Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins.
Em Mato Grosso, de 14 frigoríficos convocados, nove concluíram o processo de auditoria, representando 82% do volume de abate/exportação no estado. O índice médio de conformidade dos animais auditados foi de 97,8%, sendo que as empresas Marfrig, Minerva e Vale Grande alcançaram 100% de conformidade.
No Acre, dois dos 13 frigoríficos convocados apresentaram auditoria, representando 32% do volume de abate/exportação. O índice médio de conformidade foi de 90,38%.
No Amazonas, três dos nove frigoríficos convocados concluíram a auditoria (37% do volume de abate/exportação), com índice médio de conformidade de 64,7%. Agropam e Frigotefé alcançaram 100% de conformidade.
No Pará, estado com maior número de frigoríficos convocados a contratarem auditorias (56), 15 concluíram o processo de auditoria, além de um frigorífico não convocado, representando 81% do volume estadual. O índice médio de conformidade foi de 91,7%, e as empresas Agroexport, Frigol, Mafrinorte, Masterboi e Minerva atingiram 100% de conformidade.
Em Rondônia, dois dos três frigoríficos convocados apresentaram auditoria, além de um não convocado, representando 41% do volume estadual. O índice de conformidade médio foi excepcionalmente alto: 99,9%. Minerva e Mafrinorte alcançaram 100% de conformidade.
No Tocantins, seis dos sete frigoríficos convocados concluíram a auditoria (73% do volume estadual), com índice médio de conformidade de 98%. Tiveram 100% de conformidade as empresas Cooperfrigu, Masterboi, Minerva e Plena.
Diferenças de conformidade – Um dos principais achados do ciclo é a disparidade de conformidade. Considerando todos os estados, as auditorias contratadas por frigoríficos signatários dos TACs mostraram um índice de irregularidade de apenas 4%. Em contraste, análises automáticas – realizadas sobre as compras de empresas que não contrataram auditoria – indicaram um alarmante índice de 52% de irregularidades.
No Pará, estado com o maior volume de abate, a diferença foi similar: 8,24% de irregularidades nas auditorias contratadas contra 58,3% nas análises automáticas de empresas não signatárias ou que não apresentaram auditoria.
Fornecedores indiretos – O MPF também revela dados preliminares sobre o monitoramento de fornecedores indiretos (nível 1), que representam um desafio adicional para a transparência da cadeia. Nas análises realizadas entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021, 38% do gado de fornecedores indiretos estava em conformidade, 27% apresentava potencial não-conformidade e 35% não tinha correspondência com o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Entre as não-conformidades identificadas nos fornecedores indiretos, destacam-se gado com desmatamento (38%), gado de área com embargo (23%), gado em áreas protegidas (3%) e gado associado a trabalho escravo (menos de 1%).
Próximos passos – O MPF está anunciando, nesta quarta-feira, várias medidas para reforçar o monitoramento e ampliar a adesão aos compromissos:
- Ajuizamento de ações contra empresas sem TAC;
- Envio de ofícios para órgãos ambientais para fiscalização prioritária das empresas sem auditoria;
- Implementação de um sistema de pré-auditoria para todas as empresas;
- Desenvolvimento de um protocolo para rastreabilidade de fornecedores indiretos.
Saiba mais – O TAC da Carne Legal é uma iniciativa do MPF que visa garantir que a carne oferecida ao mercado consumidor – nacional e internacional – tenha origem legal, evitando o comércio de animais provenientes de áreas com desmatamento ilegal, trabalho escravo, invasões a unidades de conservação e terras indígenas ou quilombolas. No MPF, a coordenação dos trabalhos relativos ao TAC da Carne Legal é feita por meio da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR), a partir do Grupo de Trabalho (GT) Amazônia Legal.
Para a efetivação e ampliação dos TACs, o projeto conta com a cooperação da organização Amigos da Terra – Amazônia Brasileira (AdT) e do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), via programa Boi na Linha. Também integram a Câmara Técnica de Apoio ao TAC o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a Universidade de Wisconsin-Madison (UW) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Acesse, no site do programa Boi na Linha, respostas a perguntas frequentes sobre o tema.
Avaliação positiva –”Este segundo ciclo unificado de auditorias na Amazônia – o sexto ciclo no Pará – consolida a eficácia do TAC da Carne Legal como ferramenta crucial para a transformação da pecuária na Amazônia. Os dados são claros: empresas comprometidas e auditadas têm um índice de conformidade 13 vezes maior. É um recado direto ao mercado e aos consumidores sobre quem está, de fato, investindo em uma produção responsável e transparente, essencial para o futuro da floresta e para os objetivos que levaremos à COP30”, avalia o procurador da República Ricardo Negrini, que integra o GT Amazônia Legal, do MPF.
Outro membro do MPF integrante do GT, o procurador da República Daniel Azeredo, concorda que os números deste ciclo reforçam a importância da auditoria independente para verificar o cumprimento dos TACs na Amazônia. “No Pará, por exemplo, enquanto empresas auditadas mostram avanços, as análises automáticas em outras apontam inconformidades alarmantes. O MPF não apenas informa a sociedade, mas intensificará a responsabilização das empresas que não se adequarem, utilizando todas as ferramentas legais para proteger a Amazônia e promover uma cadeia da carne verdadeiramente legal e sustentável.”
Para Pedro Burnier, Diretor do Programa de Cadeias Agropecuárias da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, “o segundo ciclo unificado é uma grande conquista para a transparência e o controle efetivo da cadeia da pecuária da Amazônia, demonstrando que a atuação conjunta do MPF com organizações, universidades e empresas tem permitido aperfeiçoar os mecanismos de monitoramento e ampliar a responsabilização de frigoríficos. Divulgar esses resultados não é apenas uma prestação de contas, é também um sinal de que o mercado está mais próximo de atender o consumidor, nacional e internacional, que tem o direito de saber de onde vem a carne que chega a sua mesa.”
“A transparência é fundamental para prover informações de valor, e os procedimentos adotados devem evoluir para responder ao desafio da universalização do TAC, tornando-o um requisito de reconhecimento das empresas comprometidas com a conservação dos biomas brasileiros e com a promoção de uma agropecuária sustentável”, afirma Lisandro Inakake, gerente de projetos em Cadeias Agropecuárias do Imaflora, que apoia o MPF, por meio do programa Boi na Linha, na qualificação dos procedimentos de auditoria e monitoramento necessários à implementação do TAC.
Fonte: Imaflora