Em 2021, construímos um mapa conceitual da cadeia de valor da pecuária bovina com o objetivo de identificar as necessidades e desafios para a rastreabilidade em cada etapa da cadeia de valor e propor alternativas com análise do impacto na cadeia.
Produtores
Para os produtores, foram identificados gargalos associados a dois aspectos: 1) a realidade complexa da cadeia de produção em relação a capacidade de rastrear os animais ao longo de sua vida, algo natural e com potencial para melhorias; e a 2) falta de conhecimento e clareza sobre as necessidades externas ao segmento produtivo, no caso os compromissos na cadeia de eliminação do desmatamento no bioma Amazônia e Cerrado. Estabelece-se assim um ambiente de insegurança e desconfiança por parte do setor produtivo.
Alguns dos motivadores destes gargalos são reflexos do período de mais de dez anos da implementação de compromissos para a redução de desmatamentos, como a sensibilidade e confidencialidade dos dados, a definição de um referencial temporal para a análise das fazendas de fornecimento indireto, a falta clareza sobre os critérios, harmonização das regras, fontes de dados e período consultado (indústria), e não ter alternativas para resolver problemas (assistência técnica, suporte financeiro etc.).
As necessidades identificadas para mitigar esses gargalos, foram: estabelecer governança para definição de procedimentos de monitoramento por parte da indústria, promover capacitações e desenvolvimento tecnológico, adotar ferramentas de gestão e rastreabilidade, criar incentivos ao setor produtivo por parte da cadeia bovina e promover a tecnificação e aumento da produtividade, estabelecer a reintegração de produtores com irregularidades, oferecer caminhos à adequação ambiental da fazenda alinhados à legislação nacional, em destaque ao Código Florestal, estudar a aplicação da LGPD em termos de transferência de dados entre elos, compreender o efetivo potencial da GTA e/ou da DTA de possibilitar a rastreabilidade completa na cadeia de produção, segregar as informações necessárias da GTA para a rastreabilidade socioambiental, estabelecer um sistema que garanta segurança na transação de dados entre os diferentes elos do setor produtivo, e estabelecer prazo para atender e resolver os problemas relacionados ao Prodes e embargos por desmatamento.
Indústrias
É o segmento com maior capacidade instalada para a rastreabilidade da produção de carne, couro e subprodutos e, mesmo com grande diversidade de atores, possui um contingente menor, pois é um segmento da cadeia de processamento de bens de consumo, com organizações mais integradas. Os atores da categoria indústrias são: abatedouro, entreposto/intermediário, frigorífico, processadora, curtume integrado ou até wet blue, curtume até semiacabado ou acabado, e coletor para graxaria.
Os gargalos identificados são divididos em dois aspectos. O primeiro aspecto refere-se aos entrepostos de carne ou intermediários e os pequenos abatedouros, os quais são menos tecnificados e marginalizados nos espaços de discussão e tomada de decisão; e o segundo aspecto refere-se ao setor do couro e de outros subprodutos. Cabe destacar que não foram identificados gargalos nos elos do segmento da cadeia representados pelas grandes empresas de alimento, potencialmente o elo com maior capacidade instalada para a implementação do monitoramento socioambiental da cadeia de valor e rastreabilidade.
Os principais motivadores destes gargalos são relacionados a características das operações existentes nos elos menos envolvidos e engajados do segmento de processamento da carne, couro e subprodutos, com a agenda de monitoramento e rastreabilidade socioambiental, destacando-se a ausência de demanda e/ou exigência aos entrepostos e intermediários, logística de coleta de peles envolvendo muitos frigoríficos para o mesmo caminhão/caçamba, falta de tecnologia/mecanismos de gerenciamento de estocagem/armazenamento para rastreio da peça de carne na desossa, falta o registro documental do couro a partir dos frigoríficos para os curtumes, e a não é possível segregar a origem de todos os produtos da graxaria (sebo, tripa, farinha de carne/sangue, crina, casco, ossos e chifre), não há demanda do consumidor e investimento no processamento para a carne rastreada.
As necessidades identificadas para mitigar os gargalos são: ter acesso às informações da origem do gado e de alguns dados públicos (GTA, CAR e outros), criar um mecanismo para regulamentar a rastreabilidade de carne em pequenos abatedouros, disponibilizar informação sobre dia de abate e planta frigorífica para os produtos e subprodutos, aumentar a abrangência da rastreabilidade dos mecanismos especiais (produtos específicos e exportação), e padronizar os critérios monitorados em todos os elos da cadeia.
Varejo e Restaurantes
Categoria de maior visibilidade e diversificação na cadeia de valor da pecuária bovina, com o potencial de disseminar por toda a cadeia informações sobre os atributos socioambientais relacionados ao setor produtivo, incluindo os desafios, limitações e realidades. Os atores da categoria indústrias são: açougues, varejo, atacado e atacarejo, restaurantes, empresas de sapatos, bolsas e outros artigos de couro, e indústria de subprodutos.
Os gargalos identificados foram: falta acurácia e transparência das informações para a rastreabilidade, falta de padronização dos critérios monitorados pelos fornecedores, Falta de conscientização das redes de supermercados (comércio) e dos consumidores, Alta complexidade na distribuição da diversidade de produtos processados a partir das indústrias, passando pelos centros de distribuição até a gôndola do supermercado, Ausência de estratégia para reconhecimentos dos frigoríficos com melhor desempenho socioambiental, apenas ação de bloqueio é realizada.
Os principais motivadores dos gargalos são relacionados a três aspectos que quando somados definem a limitada participação da categoria Varejo e Restaurantes quando comparado aos dois segmentos anteriores, que são: somente as principais redes de supermercado demandam compromissos e são elas que ficam em evidência e com maior risco reputacional, e alto custo para implementar monitoramento e rastreabilidade pelos pequenos varejistas.
Ter acesso às informações da origem do gado, realizar o monitoramento do fornecedor indireto de gado, estabelecer uma melhor comunicação com o consumidor, promover transparência sobre os produtos aos consumidores, aumentar a quantidade de redes de supermercado comprometidas e com critérios padronizados, e padronizar compromissos e procedimentos para todos os elos da cadeia de fornecimento, foram as necessidades identificadas para mitigar os gargalos do Varejo e Restaurantes.
Quer saber mais sobre os gargalos, seus motivadores e as necessidades da rastreabilidade, acesse aqui.
Artigo produzido por Beatriz Pressi, com apoio de Mariana Konowalenko, membros da equipe executiva da Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável, e publicado originalmente em coluna no Canal Pecuarista.