Por Luiza Bruscato*
No fim de 2022, estive em Bruxelas, na Bélgica, representando a Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável (GTPS), para participar de uma série de debates sobre as diligências envolvidas na aprovação de uma nova lei da União Europeia que impede a importação de commodities ligadas ao desmatamento pelo mundo.
Representantes de outras cadeias produtivas brasileiras, como a da soja, também estavam presentes nessas negociações. O Parlamento Europeu já concordou com a nova lei, que ainda carece de outras aprovações e pode entrar em vigor já no início de 2023.
Encontramos portas abertas a nos ouvir do lado europeu e expectativas deles pela redução nos níveis de desmatamento do Brasil nos próximos anos, mas persistiu a exigência do bloco de que as empresas apresentem uma declaração de diligência comprovando que suas cadeias de suprimentos não contribuem para a destruição de florestas durante todo o processo produtivo, até a venda para a UE.
O prazo, de possivelmente dois anos, para a adequação das empresas às novas regras é muito desafiador e é possível prever que o não cumprimento poderá levar a multas pesadas, além da perda de mercado. Vale lembrar que a lei não se aplicará somente a produtos do Brasil, embora o país seja um fornecedor de alta relevância no comércio global de commodities. Seria um copo meio cheio ou meio vazio?
Na cadeia da carne bovina, até agora, o tema tem sido visto como mais uma demanda dos compradores e, consequentemente, mais custos. Por outro lado, existe uma oportunidade. Mercados maduros que são nossos concorrentes já contam com essa rastreabilidade total, desde o momento em que o bezerro nasce até a carne chegar na prateleira. É natural que nós trilhemos este caminho, este sistema já acontece em Santa Catarina, por exemplo.
No setor de exportação de gado vivo, 100% dos animais brasileiros contam com brinco eletrônico, onde constam informações mais completas. Então, o ideal é que sejam adotadas estratégias para que a rastreabilidade total ganhe escala na pecuária e em todos os estados brasileiros.
Talvez o que parece um copo meio vazio possa se tornar meio cheio e a lei europeia funcione como um acelerador no desenvolvimento que já viria para nós em algum momento.
Atualmente, a legislação brasileira exige a rastreabilidade apenas de questões sanitárias do gado, de saúde animal, mas não inclui o processo socioambiental, como o desmatamento. Em geral, os frigoríficos têm o histórico de seus fornecedores diretos, ou seja, a aquisição do boi gordo, e ainda trabalham para conseguir as informações de todo o ciclo pecuário.
O GTPS possui um grupo de trabalho sobre rastreabilidade que está discutindo caminhos para ter informações desde a origem do gado nas fazendas. Em 2023, vamos apresentar uma proposta na tentativa de mudar a legislação do Brasil, incluindo dados do Cadastro Ambiental Rural, o CAR, por exemplo, na guia de trânsito animal (GTA) dos bovinos.
Os importadores precisam ver a movimentação da cadeia produtiva e conhecer, inclusive, o que já existe. Segundo a Embrapa, cerca de 33% do território brasileiro de floresta está preservado dentro de propriedades privadas. Outros custos deste processo, que virão, também precisam ser repassados. As possibilidades existem, só precisam se concretizar.
*diretora executiva do GTPS – Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável
**as ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de sua autora e não representam, necessariamente, o posicionamento editoria da revista Globo Rural
Fonte: Globo Rural